sábado, 2 de março de 2013

Corrente-da-Bia

Estou devendo essa história, a que me salvou daquele prognóstico macabro de, no máximo, oito meses a um ano de vida.

Em maio de 2006, três meses depois que minha irmã Flávia faleceu, resolvi procurar um ortopedista para investigar uma dor do quadril direito, que persistia há um bom tempo, desde que fiz uma aula de surf para aprender o esporte. A aula foi super cansativa, levando-se em conta que eu tinha quase 50 anos...

Naquele dia repeti milhões de vezes o movimento de passar da posição deitada a de pé, apoiada na perna direita e nas mãos, com a prancha na areia, lógico!

Estava exausta, mas depois de passar para a água e conseguir pegar três pequenas ondas, me achei o máximo - quase uma sereia!

Em casa, no meio da tarde, comecei a sentir uma dor insuportável no quadril direito, provocada por uma bursite que arrumei na aulinha, tão inofensiva, para quem tem menos de 30.

Como não sou chegada a correr para médico cada vez que sinto qualquer coisa, fui fazendo meus alongamentos e driblando o incômodo por uns dois anos. Até que procurei um ortopedista, que pediu uma ressonância magnética da bacia.

Quase no final do exame uma médica bem jovem e que nunca havia me visto, entrou na sala e disse como se estivesse dando bom dia: -“Você está com metástase óssea”.

Não sei nem reproduzir meu sentimento na hora. Um misto de pavor e solidão (eu estava sozinha no CDPI) que me fez perder o chão. Não sabia o que fazer e saí andando pelos corredores do Barra-Shopping, onde estava, num indo e vindo sem rumo.

Liguei para o Mauro Zukin, mas não consegui falar. Tentei o cirurgião torácico que havia retirado meu pulmão um ano antes, Paulo di Biase, que me aconselhou a ter calma e insistir no contato com o Zukin, o oncologista que desde o começo me acompanhava. Isso até hoje.

Não satisfeita em me dar um diagnóstico nefasto sem me conhecer, e em local e situação inadequados, a tal médica ainda cruzou comigo pelos corredores e veio ratificar seu laudo. Havia mostrado o exame ao chefe que confirmou a metástase.

Consegui dirigir de volta para casa com o sentimento de morte iminente, de medo e tristeza por ter que deixar o Pedro e a vida. Era como se eu fosse obrigada a sair da festa antes que ela acabasse.

Passei uns dias assim, como se não acreditasse em nada, mas minha irmã Denise me salvava quando me sentia pior e sem saída. Ligava para ela e pedia para repetir “aquilo” que eu estava precisando ouvir outra vez. Ela dizia com todas as letras e, não sei como conseguia, com uma certeza e veemência que não dava para duvidar: -“Anginha, você NÃO vai morrer! Vai viver muito ainda, há de haver alguma saída e vai dar tudo certo. VOCÊ NÃO VAI MORRER!”

Eu acreditava, me acalmava na hora e desligava o telefone mais confiante – vá entender a cabeça da gente... Mas precisava ouvir dela. Depois, eu soube que quando ela desligava, chorava muito e ficava arrasada. Talvez nem tivesse idéia do bem que me fazia ou da força que me passava. Ela me salvou, no mínimo, de enlouquecer.

Nessa época, ela e eu freqüentávamos um grupo de estudos do evangelho espiritual. Não compreendíamos bem o que se explicava, mas eu precisava entender porque tinha tanto medo de morrer, a única certeza da vida.

No dia que soube do prognóstico do tempo que me restava, cheguei chorando a esse grupo falando um monte de coisas que ainda queria viver e, entre elas, ver o Pedro se casando. Alguém me consolou dizendo que, de uma maneira ou de outra, eu estaria presente na cerimônia. Foi pior.

Chorei mais forte ainda e respondi que queria ir andando, de sapato e bolsa, entrando com ele na igreja e não sobrevoando os convidados! Não me lembro o que ouvi depois...

No começo da quimioterapia meu médico falou que havia um remédio moderno que era caríssimo, que estava dando os melhores resultados em casos como o meu e que deveria entrar na justiça para recebê-lo do governo. Custava mais de nove mil reais a caixa que durava um mês. Comprar? Nem pensar!

Não sei como tudo começou, mas de repente foram se juntando tantas forças do bem, tantas pessoas se envolveram que embaralho a ordem cronológica dos fatos que se seguiram.

Meus amigos queridos começaram uma corrente que o Valmir M. deu a idéia e a Fátima, madrinha do Pedro, viabilizou. Era para correr entre os conhecidos e amigos mais chegados e pedia um depósito de cinquenta reais ou o quanto pudessem, numa conta bancária minha, que o Valmir passou a ter acesso.

Se daria certo ou seria um fracasso, não sabíamos, mas acho que minha tristeza e falta de esperança mobilizaram esses amigos tão amados a agir de alguma maneira. Mas foi um sucesso!

A corrente cresceu numa progressão geométrica com os amigos envolvendo seus parentes, suas redes sociais e todo mundo querendo ajudar. No primeiro mês já conseguimos o valor do medicamento, para grande surpresa nossa!

Alguém descobriu que na Argentina o remédio era mais barato, custava sete mil e duzentos reais. Na época um amigo do meu Pedro, o Pedro Victor, tinha os pais, Aray, Lucia e a caçula Bruna, morando em Buenos Aires. Logo eles se ofereceram para a compra e assim o fizeram por vários meses, sempre dando um jeito da encomenda chegar até mim.

A Bibi, amiga de infância da minha prima Lúcia, outra querida, se ofereceu para ser portadora da primeira caixa, já que estava a passeio por lá.

A entrega ”oficial” foi em um almoço festivo na casa da tia Thaís com minha tia, primas, cônjuges e filhos. Era a esperança em forma de comprimido! Que alegria!

A corrente-da-Bia continuava a crescer, e não era somente através dos depósitos bancários, mas pelas atitudes que eram tomadas por muita gente tornando possível o processo. Durante seis meses todos esses anjos, conhecidos e desconhecidos, viabilizaram as caixas milagrosas que me trouxeram vida, saúde e esperança.

Celso Q., outro grande amigo que se envolveu na trama, conseguiu mais uma vitória. Contou o caso no trabalho e a advogada da firma, Dra. Marcia, que nem me conhecia, ofereceu-se para entrar na justiça em meu nome para que o governo bancasse o tratamento.

A corrente me salvou. Com ela compramos seis caixas de Tarceva, o milagre via oral, e no final ainda sobraram dois mil e poucos reais na conta e eu não sabia o que fazer com eles. Devolver seria impossível. A quem?

Soube que um paciente do Mauro Zukin, o Antares, que também havia iniciado algo semelhante para ele, com o mesmo intuito, não estava conseguindo o suficiente. Pronto! Repassei a ele meu saldo remanescente.

A corrente terminou quando o governo, através da ação impetrada pela Dra. Marcia, passou a me fornecer o Tarceva. Foram três anos recebendo ininterruptamente até que minha outra amiga querida, Elaine Q., advogada também, teve que entrar na história para conseguirmos outras tantas caixas através de outra ação.


Essa foi a maior demonstração de amor, solidariedade e amizade que já havia visto por um único alvo. Foi numa proporção gigantesca e incalculável!

Eu me impressionava com a grandeza dos valores, com o movimento criado em torno e questionava o merecimento. Minha comadre Fátima dizia que era porque eu havia feito uma “poupança-espiritual” ao longo da vida. Invenção da cabeça dela.

E foi assim que eu não morri.

6 comentários:

  1. Isso é pq vc é uma linda querida. O termo "poupança espiritual" cai como uma luva.
    Te amo!!

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  2. É espetacular ver o sentimento de força presente em você... To apaixonado pelas suas histórias.. Quanta superação.. Parabenss!!

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  3. A corrente tinha um nome, era “Bia-Esperança”.

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  4. Beijos amiga!!
    Estou com saudades de nosso papos,acho que ficamos com gostinho que quero mais...srsrsrrsrsr

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  5. Amiga, estive ausente por uns dias, envolvida com várias questões, que acabaram não me permitindo um tempinho para ler seus textos com a tranquilidade que desejo - ler o que escreve me alegra, me impulsiona, e traz você mais pra perto de mim - tem sido um imenso prazer. Querida, essa publicação me fez lembrar de uma longa conversa que tivemos ao telefone( em 2007 ), quando me contou sobre todos esses fatos , que, de tão lindos, pareciam até fantasia... Naquela noite, tive certeza da existência do BEM no mundo, e de ter encontrado uma rara e valiosa amiga...impossível descrever...
    Obrigada por fazer parte da minha, viu ?
    Beijos com saudade...
    Denise

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  6. Amiga querida , todo o amor que vc. recebe é o troco de tudo que vc. deu sua vida inteira.
    bj
    Sonia

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